domingo, 20 de maio de 2012

Ouvindo a obra de Emmanuel Coelho.

Ontem, antes de assumir minha função semanal como pianista(?), fui ao CINE-TEATRO da UFPI para assistir o concerto em homenagem aos 40 anos da UFPI e a carreira do amigo maestro compositor e violinista Emmanuel Coelho Maciel. Tudo começou com muito atraso mas fiquei extremamente emocionado com a abertura elaborada pelo DMA. Como não pude assistir o concerto no sábado, fui assistir hoje pela manhã com os meus filhos. O dia seria igual a todos os outros do Piauí se não fosso uma abençoada e rara brisa gélida matinal. Ganhamos uma carona bondosa da amiga regente Cláudia dos Anjos e Tenório. Chegamos a tempo no PALÁCIO DA MÚSICA. Conversei com amigos e músicos. Conversei com os meus filhos. O compositor chega e senta-se ao meu lado para conversarmos sobre o concerto.
O Quinteto Piauhy Quinteto Piauhy fez a abertura. O quinteto deu-me mais esperança em relação ao futuro da música instrumental Piauiense. Estão muito empenhados na divulgação da música de concerto para esta formação. Bom, vamos as obras. A primeira e audaciosa obra que tranzita entre tons inteiros, melos definidos e atonalismo, e tudo o mais de bom do século XX foi a belíssima obra MÚSICA PARA OBOÉ E INSTRUMENTOS DE CORDAS. Camerata UFPI regida pelo competente Cássio Martins tendo como solista o simpático, dedicado e entusiasmado Gilson Barbosa. Conheci este grande instrumentista no mês de fevereiro deste ano em São Paulo que já tinha me adiantado entusiasmado sobre sua vinda a Teresina. Após a MÚSICA PARA OBOÉ E INSTRUMENTOS DE CORDAS, foi a vez da CANTATA RELIGIOSA. A extensa obra é uma coletânea de temas folclórico religiosos (católicos). Instrumentistas e cantores apostos e a obra começa. Olhando discretamente ao meu redor, deparei-me com rostos emocionados de antigos cantores e instrumentistas de mais de trinta anos atrás quando a obra foi estreada em nosso estado. Tudo foi muito emocionante e a única ranhura que tenho a dizer não vem do compositor nem do regente e muito menos dos instrumentistas e cantores mas sim dos inexperientes ou despreparados amigos técnicos que prejudicaram a gravação da obra por não passar adequadamente o som. Esqueçamos este lapso dos amigos técnicos e guardemos em nossas memórias e corações este momento que por ser compositor, considero tão sagrado que é executar a obra do compositor enquanto ele vive nesta esfera. Parabéns ao DMA da Universidade Federal do Piauí, Coral do Instituto Camilo Filho, Coral da Escola de Música de Teresina, Fundação Monsenhor Chaves, orquestra, músicos, solista professor Cássio Martins e principalmente ao amigo compositor Emmanuel Coelho Maciel. Muitas e muitas mais obras caro amigo e que o Pai Celeste te conceda muita saúde para que continue criando obras tão belas quanto as que o senhor nos presenteou hoje.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Produção, divulgação e Consumo de música erudita brasileira contemporânea

Por Emmanuel Coêlho Maciel
Jornal do Piauí, Teresina 23/24 de fevereiro de 1986 (dom/2ª feira)
JP-Cultura/ Editor: Ramsés Ramos (1).

Apesar das dificuldades que o compositor, classificado como erudito, tem de enfrentar para sobreviver em nosso país, onde a divulgação e o consumo de música desse padrão é, podemos dizer inexistente, reconhecemos ser o Brasil um país imensuravelmente rico em produção de música erudita. A nossa história é repleta de nomes ilustres, famosos em muitos países do mundo ocidental, possuidores de uma obra com significativo valor histórico-cultural. Deixarei de abordá-lo porque alguns passos já foram dados, EMBORA AINDA DEBILMENTE, no sentido de divulgá-los. Fixar-me-ei, por conseguinte, na música contemporânea brasileira, sem levar o termo “contemporâneo” ao seu sentido técnico-estético, e ficarei com o sentido dado pelos dicionários de que contemporâneo é “o que vive na mesma época”. Assim, para nós, a música contemporânea brasileira é aquela feita hodiernamente, composta por compositores que estão exercendo-se no contexto dos dias atuais.
Por sermos um país de cultura ocidental seguimos naturalmente as principais tendências estéticas do ocidente, todas do século XX. Aqui, a meu ver, um fato fundamental da nossa música atual: em nosso país todas estas tendências convivem livremente. O motivo desta formidável liberdade de expressão reside em dois fatores: uma grande extensão territorial que dificultou, até pouco tempo, a comunicação das informações e, ao fato de pertencermos a um país de um pluralismo técnico-cultural em constante mutação, portanto, ainda em formação indefinida, mostrando-se campo aberto e propício a todas as tendências de correntes e estilos musicais. A simples supressão dessa liberdade de criação ou a sua artificial inibição nos conduziria ao caos, ou empobrecimento capaz de inviabilizar qualquer síntese futura.
A tarefa maior é dos professores e dos críticos, pois, são eles que deverão exercer influência sobre os jovens, no sentido de conduzi-los àquilo que consideram “válido” e“autêntico”, denunciando a sedução exercida pela mediocridade dos epígonos ou a desenfreada ânsia de originalidade a qualquer preço. O que importa mesmo é a aquisição de habilidades artesanais, e, acima de tudo, espaços culturais mais amplos, através de uma sólida cultura geral, de forma que a verdade interior de cada um aflore natural e convincentemente. Do mesmo modo há que se afastar os “modismos” e a servidão a tudo o que vem de fora, como também os horríveis manifestos castradores de verdades universais, cheios de dogmas ditatoriais. A nossa música terá que ser feita por nós que aqui vivemos e trabalhamos. Terá que ser uma espécie de retrato psicológico de nossas contradições, otimismos e pessimismos, angústias e esperanças, certezas e incertezas, sonhos e ilusões. Nesse contexto é que nomes como os de Cláudio Santoro, Francisco Mignone, Guerra Peixe, Camargo Guarniere, José Siqueira, Ernest Widmer, Osvaldo Lacerda, e Ernest Mahle, me vêm à mente , representantes de uma geração com mais de 50 anos. Uma outra, acima dos 40 aí está, traçando e criando os seus próprios espaços e o da música erudita contemporânea brasileira, mais recente.
Parece ter ficado claro, as várias tendências contemporâneas da música erudita universal que convivem pacificamente no Brasil, embora convenhamos, o grande público ou o “povão” dela nada saiba ainda. Aliás, o povo em geral confunde música erudita com música de velório ou de finados, pois os veículos de comunicação de massa só a divulgam na Semana Santa, dia de finados ou quando morre pessoa ilustre e, assim mesmo, a música erudita do passado, barroca, clássica e romântica.
Esse desserviço prestado pelos órgãos de comunicação encontra ressonância nas Instituições de Ensino musical, Universidades e até mesmo em nossas orquestras, pois,
ao cultivarem as obras do passado, com pouquíssimas chances para as do presente (não me refiro apenas a música erudita brasileira, mas a do repertório internacional),
transforma-se em instituições-museus. E aqui reside o maior entrave para o compositor brasileiro de vanguarda.
W. BENJAMIM, analisando o problema da aceitação do que é realmente novo, pela massa, diz que hoje em dia encontramos duas tendências nas massas, igualmente for-tes. De um lado elas aceitam aquilo que lhes é especial e humanamente próximas e, do outro, depreciam o caráter daquilo que lhes é dado apenas uma vez.
As massas preferem um “tonal-modal” a um “atonal”. Claro! O primeiro lhes é próximo, espacial e humanamente, no dizer de W. Benjamim, enquanto o segundo, poderá sê-lo, depois de virar “moda”. Em outras palavras, a civilização atual incorpora em seu mundo espiritual as obras do passado venerando-as pela historicidade que representam. Já as recentes, de linguagens estranhas, só quando, se notabilizarem e virarem algo deglutível.
Diante desse terrível quadro ao compositor erudito caberá “reproduzir obra musical”,
isto é, compor dento de padrões conhecidos ou, “produzi-la numa linguagem inteiramente nova” . A primeira manifestação encontrará patrocinadores com maior facilidade que a segunda.
Isto me faz lembrar um grande Banco que resolveu patrocinar compositores brasileiros contemporâneos eruditos, promovendo a gravações de músicas especialmente compostas em cima de poemas do também contemporâneo CARLOS DRUMOND DE ANDRADE. Tentativa frustrada. Um alto figurão do Banco vetou o projeto, considerando prejudicial a imagem da instituição financeira, os gritos, os sussuros e as “desafinações”, como algo não lucrativo. O importante, no caso, para eles do Banco,é a proposta “bem comportada”. Afinal é melhor um BACH ou um BEETHOVEN, na mão, do que um BÉRIO ou um CAGE voando (2).
Do ponto de divulgação temos ainda muito que progredir. O próprio sistema de ensino falha não possibilitando informações adequadas aos educandos, deixando de assessorar o processo. Nos países desenvolvidos, capitalistas, é o governo e as grandes empresas, de mãos da dadas, que FINANCIAM projetos de arte: orquestras, escolas de música, edição de livros, partituras musicais e discos. O próprio sistema de ensino favorece a divulgação, criando corais e orquestras nas escolas, formando público ouvinte e despertando e orientando vocações. Nos países socialistas é o Estado o grande mecenas.
No Brasil existe experiência do INM-FUNARTE que tem, ultimamente, favorecido o processo de produção de música erudita brasileira através de concursos e edições de discos e partituras. Mas em compensação, falha o resto. Pouquíssimas empresas não se dão conta de quão úteis poderiam ser, e o governo, de um modo geral, também falha, pois ele só patrocina aquilo que lhe dá IBOPE e, consequëntemente, lucro ou retorno imediato. Ele prefere patrocinar duplas caipiras ou “pseudos” festivais folclóricos, numa espécie de populismo, ao patrocínio de outro tipo de arte, ou, o que seria melhor, ao patrocínio sério do ensino das artes.
Não desejamos, em hipótese alguma, um posicionamento musical contra as duplas caipiras ou os festivais folclóricos. Ao contrário, somos apreciadores de manifestações artísticas populares e/ou folclóricas. Somos contrários ao patrocínio de “fachada”, que visa fazer média com o povo sofrido, dando-lhe circo, ou o patrocínio abusivo e impatriótico de se gastar milhões com “tournés” de grandes orquestras, quando o mais patriótico e cívico seria criar condições favoráveis ao ensino, financiando núcleos em universidades e/ou Secretarias de Educação, que tivessem uma equipe de pelo menos 10 musicistas para, a partir daí, criar-se o hábito comunitário de concertos públicos, periódicos e, sobretudo, reforçar as escolas de mùsica com ensino musical aos jovens que formarão, num futuro próximo, a orquestra local.
O processo de comunicação com o público torna-se, em função do que acabamos de dizer e, dos fatores que apontaremos a seguir, cada vez mais difícil.
Para existir um bom samba, basta uma voz e uma caixa de fósforos. Com a música erudita não ocorre o mesmo, pois ela exige de quem a ouve, certo nível de informação a respeito, curiosidade intelectual e disponibilidade mental para participação. E não há aqui nenhum preconceito econômico ou de classe. Ao contrário, pessoas de nível cultural menos favorecido apresentam tais pré-requisitos, desde que recebam um mínimo de oportunidade, em escala maior que pessoas de nível social mais elevado ou, por que não dizer, até mesmo ricas.
Outros fatores que dificultam a comunicação da música erudita provêm dos veículos de comunicação. Por exemplo: o alto treinamento individual e de conjunto que exige dos executantes, horas a fio de estudo, por toda a vida; o elevado preço dos instrumentos musicais (e de acessórios), geralmente de origem estrangeira, inacessíveis devido ao preço, ao nosso músico e, locais apropriados para a realização de ensaios e concertos.
Creio, finalmente, que só um esforço conjugado de todos nós, aliados à esperança de melhores dias, onde educação e cultura assumam caráter de seriedade nacional, possibilitará mudança de situação.
Enquanto isso não ocorrer, o jeito é nos arregimentarmos em busca de uma unidade de pensamentos que propicie algum avanço. Ou então lembrar CAMÕES e com ele repetir: “Vi nenhum contentamento, e vejo-me a mim, que espalho tristes palavras ao vento”




1. RANSÉS RAMOS – Foi “músico, jornalista, crítico de Arte, poeta, diretor teatral, tradutor e advogado. Faleceu aos 35 anos, vítima de um acidente ocorrido no banheiro de seu quarto em um hotel na cidade de Moscou (RÚSSIA), após uma queda que provocou hemorragia interna. O músico-poeta estava em missão oficial do Supremo Tribunal de Justiça, órgão em que exercia a função de Chefe Cerimonial”. Dados extraídos do tablóide publicado pelo Sindicato dos Músicos do Estado do Piauí, em novembro de 1998.
2. Luciano Berio e J. Cage, compositores contemporâneos, de vanguarda.

O ensino da música num mundo modificado

Por:Hans-Joachim Koellreutter
Um novo tipo de sociedade condiciona um novo tipo de arte. Porque a função da arte varia de acordo com as exigências colocadas pela nova sociedade; porque uma nova sociedade é governada por um novo esquema de condições econômicas; e porque mudanças na organização social e, portanto, mudanças nas necessidades objetivas dessa sociedade, resultam em uma função diferente de arte.
Em quase todas as escolas de música, conservatórios, academias e departamentos de música das nações industrializadas do mundo, os músicos estão ainda sendo treinados para um tipo de sociedade que já passou para a história. Os padrões e os critérios de educação musical nesses países são ainda os da sociedade do século XIX, cuja estrutura social já está obsoleta dentro do contexto da nossa sociedade contemporânea, dinâmica e economicamente orientada.
No século XIX
o o músico era um representante do individualismo social e da ideologia de uma elite privilegiada;
o música era uma parte, relativamente autônoma, de atividade no campo intelectual e estético, distinta e destacada da sociedade;
o educação musical era usada com um método de seleção e de controle com o propósito de manter este estado de coisas - de alienação social e de isolamento do artista e de desconhecimento da arte.
A nova sociedade, que está começando a existir - podemos descrevê-la como uma sociedade de massa, tecnológica, industrializada - implica numa forma de arte integrada nessa sociedade, que - tendo-se libertado consideravelmente da sua dependência de fatores econômicos - se sobrepõe ao seu isolamento social. Porque uma sociedade de massa deve necessariamente ser democrática, incapaz de tolerar o monopólio da arte por determinados grupos sociais ou a sua comercialização para fins lucrativos. Porque a civilização tecnológica encara a arte como um meio de informação e de comunicação, incluindo-a entre os processos que tornam possível a existência dessa civilização.
Pela expressão "a sociedade de massa, tecnológico-industrial, que ora se iniciou", refiro-me a essa fase do nosso desenvolvimento social em que um número cada vez maior de máquinas assume um papel não mais de trabalho físico, mas, em vez disso, atuam em funções não-físicas: as chamadas máquinas cibernéticas de pensamento.
Durante essa fasse de desenvolvimento social, a tecnologia penetra na realidade do mundo psico-espiritual do homem, criando novas categorias de pensamento lógico e racional, um acontecimento cujas conseqüências não podem ser totalmente previstas nos campos social e cultural que estão em processo de civilização.
Na nova sociedade, o conceito de representação da arte, como um objeto de ornamento de uma classe social privilegiada, como um status-símbolo na vida privada de uma elite social não envolvente, não é mais relevante.
Ao contrário, a arte se torna essencial à existência do ambiente tecnológico e o instrumento de um sistema cultural que enlaça todos os setores deste mundo construído pelo homem, contribuindo para dar forma a esses setores. Os sistemas de comunicação de economia e de tecnologia, de linguagem e de expressão artistica misturam-se uns nos outros, mergulhando num único todo. Ao mesmo tempo:Arte torna-se o fator preponderante de estética e de humanização do processo civilizador; porque apenas a transformação da arte em arte ambiental - e, portanto, em arte aplicada - pode prevenir o declínio de sua importancia social.
O artista torna-se consciente de que a sua missão é uma missão social no mais amplo sentido. Porque as realidades profissionais da sociedade de massa, tecnológica e industrializada, são incompatíveis com o conceito do artista tradicional, "o gênio" permanecendo distante da sociedade.
Arte e artista, numa escala sempre crescente, tendem a tornar-se o instrumento universal da comunicação entre os homens; porque tais áreas da sociedade em que a comunicação se processa tornam-se importantes universalmente; e porque a arte precisa de uma função social a fim de realizar eficientemente seu papel na sociedade.
Há, dentro da sociedade, vários campos de atividades que podem ser intensificados e desenvolvidos através de música aplicada: por exemplo, no campo da educação em geral, no campo do trabalho, na medicina e nos setores de planejamento urbano, na administração, nas relações inter-humanas, na terapia e reabilitação sociais, etc.
O objetivo desta interação de arte e civilização deveria ser o de intensificar certas funções da atividade humana; isto quer dizer humanizá-las com o auxílio da comunicação estética funcionalmente diferenciada. A mais importante implicação desta tese no que toca a música - ou melhor, à educação pela música - na nova sociedade é a tarefa de despertar, na mente dos jovens, a consciência da interdependência de sentimento e racionalidade, tecnológica e estética; noutras palavras, de desenvolver a capacidade para um pensamento globalizante, integrado, perdido em muitas culturas - e em nossa cultura também - como resultado de sua evolução histórica.
A formação do ambiente deixou, há muito, de ser um problema tecnológico. Uma grande parte dos problemas que devem ser encontrados e solucionados surgem dentro da área do planejamento educacional e estético-tecnológico. Uma vez abatida a megalomania da sociedade capitalista - resultante da prosperidade e da fé no progresso tecnológico - então, a sociedade capitalista fará a descoberta de que o descaso da nossa sociedade em relação às forças destrutivas ambientais obriga finalmente à modificações também nos setores estético-tecnológicos e estético-sociais.
Na sociedade de massa, tecnológica-industrial, a arte tornou-se um meio de preservação e fortalecimento da comunicação pessoa-a-pessoa e de sublimação da melancolia, do medo e da desalegria - fenômenos que ocorrem pela manipulação bitolada das instituções públicas e que se tornam fatores hostis à comunicação. Ela se transforma num instrumento do progresso, de soerguimento da personalidade e num estímulo à criatividade. É, portanto,, compreensível que a arte, na nova sociedade, deva ser nova arte. Pois a renovação é o traço característico da nova sociedade; e apenas arte nova é aceita pela sociedade como legítima, e como um sistema verdadeiro de símbolos.
Como um instrumento de liberação, a arte na nova sociedade se torna um meio indispensável de educação, oferecendo uma contribuição essencial à formação do ambiente humano. Assim, através da sua reintegração na sociedade, a arte tornar-se-á um traço central da nova sociedade, desde que, por meio desta sua reintegração, ela vença sua alienação social e sobreviva, portanto à sua crise.
Mondrian, um dos primeiros pintores construtivistas que viveu na primeira metade do presente século, escreveu o seguinte, aproximadamente em 1920:
“O futuro dirá que haverá um tempo em que seremos capazes de renunciar a todas as artes como as conhecemos hoje; pois então, a beleza, alcançando a maturidade, terá chegado a uma realidade tangível. Quando a consciência humana tiver amadurecido a ponto de que as contradições sejam percebidas dentro de sua unidade complementadora, quando o sentido da vida não mais for considerado trágico, e quando a arte tiver sido total e plenamente integrada na vida, estaremos prontos a dispensar a arte, no seu sentido tradicional, pois nesse tempo futuro, tudo será arte. Então, de modo geral, arte teria universalmente uma utilidade sempre presente e por esta razão não mais seria designada como "arte".
Na sociedade tecnológica, a arte, como arte aplicada, envolve o homem e deixa sua marca na vida diária. Não é questão de indiferença quanto à sua existência ou não. Ela será um fator necessário e decisivo, uma parte integrante da civilização.
Apenas um tipo de educação musical é capaz de fazer justiça a esse situação: a que acieta como sua missão a tarefa de transformar critérios e idéias artísticos em nova realidade, sobre o fundo das mudanças sociais; um tipo de educação musical para o treinamento de músicos que estarão capacitados a encarar sua arte como arte aplicada - isto é, como um complemento estético aos vários setores da vida e da atividade do homem moderno - e preparados para colocar suas atividades a serviço da sociedade. Em outras palavras, esta seria uma educação musical cujas categorias de treinamento, conteúdo e padrões de instrução iriam proporcionar uma relação realistica entre o estudo e as realidades da vida profissional e que iria preparar os jovens músicos para uma carreira de real relevância na sociedade em que vivem.
Eu visualizo, portanto, um programa de ensino de música para a formação e o treinamento de músicos profissionais interdisciplinar, que constaria de um curso introdutório, básico, de dois semestres, e dos 6 seguintes cursos superiores especializados, de 6 semestres cada um:
1. Música na educação, educação pela música portanto, ou seja preparação e treinamento de professores e educadores.
2. Música na rádio, na televisão, no cinema e teatro ou seja preparação de compositores, arranjadores, músicos de orquestras, engenheiros de som etc.
3. Música na publicidade e propaganda (preparação de compositores, arranjadores e executantes etc.).
4. Música na medicina e na reabilitação social (preparação e treinamento de musicoterapeutas e coordenadores de programas e atividades recreacionais e terapia ocupacional etc.).
5. Música na recreação e nas atividades de lazer (preparação de educadores, compositores, arranjadores, executantes etc.)
6. Documentação, musicologia e crítica e preparação (treinamento de musicólogos, críticos, bibliotecários etc.)
O curso básico introdutório de dois semestres consistiria de uma introdução à semiologia da música, isto é, uma extensão da teoria da música em relação à música asiática e africana e à notação da música moderna, treinamento auditivo, história comparada da música, estilística e terminología, bem como um curso prático de um instrumento ou de canto.
Por treinamento auditivo eu entendo aqui uma extensão do curso normal de solfejo, inclusive o estudo auditivo das linguagens musicais do século XX e da música asiática e africana, tais como o conceito qualitativo de tempo, ritmo, intuitivo, microtons, variação rítmica e melódica, heterofonia, modelos de forma variável, etc.
O curso de terminología consistiria na explicação e definição de termos técnicos da música ocidental bem como da música asiática e africana asim como do estudo comparativo dos mesmos.
Cada um dos seis cursos especializados consistiria de uma matéria principal e de uma seleção adequada das seguintes matérias suplementares de produção e reprodução musical e de musicologia, ou sejam: teoria do texto musical, analítica e sintética - isto é, uma aplicação da teoria de informação à música, que permite a análise de todos os estilos e gêneros de música, portanto também da música asiática e africana, sob o mesmo ponto de vista, estudos analíticos e comparativos da história dos sistemas de estruturação musical, eletroacústica e estatística, morfologia, estética comparada, psicologia e sociologia da música. Além disso haveria oficinas práticas e teóricas para improvisação, individual e coletiva. Atenção especial seria dada, nesse programa, à música recreativa, popular e ao jazz, assim como à música asiática e africana, que até agora só excepcionalmente têm sido incluídas nos currículos das escolas ocidentais de música.
Seria da maior importância no contexto de um programa como este a criação de um sistema de metodologia aplicada e comparada destinado a despertar a compreensão do estranho, do inusitado e do novo, e a desenvolver o pensamento crítico e analítico. A esse respeito considero especialmente importante que, neste estágio do nosso desenvolvimento social, o estudo prático e teórico da música asiática e africana seja incluído no programa em pé de igualdade com a música ocidental. Porque sem o estudo dos princípios estéticos e estruturais da música afro-asiática, bem como de seus aspectos sociológicos e psicológicos, o treinamento de músicos profissionais permanece superficial e fragmentário.
Assuntos tradicionais de estudo, tais como harmonia e contraponto, disciplinas aplicáveis apenas à música ocidental entre o período da Renascença e a última fase do período romântico deveriam ser absorvidos nessa conexão, pela teoria do texto musical e deveriam, então, perder seu significado como especializações distintas ou independentes. Por outro lado, o treinamento auditivo, a estética da música e as ciências sociais receberiam nova proeminência.
Como a arte em geral, também a música, na nova sociedade, deveria ter principalmente a função de humanizar a civilização tecnológica. Dessa maneira, a música se tornaria um instrumento de modificação através de processos estéticos. Assim sendo, a escola interdisciplinar de música deveria colocar a questão de como diferenciar os elementos estéticos e musicais de acordo com as várias formas de aspectos humanos e sociais. Em outras palavras dever-se-ia perguntar: Qual será a informação musical necessária para determinados aspectos da vida e das atividades sociais?
Ou: Que funções sociais seriam refinadas ou intensificadas por determinados meios estéticos ou especificamente musicais?
Na América e na Europa pesquisa sobre isso já está sendo feita. Literalmente: até que ponto está a música numa posição de influenciar o sistema psico-autônomo humano? Experiências estão sendo feitas no sentido de clarear a influência exercida pelo ritmo, tempo, movimento, estrutura melódica e harmónica, timbre e duração da música sobre mudanças nas funções do cérebro humano, assim como a relação entre a terapêutica efetuada pela música e a constituição, a idade, a estrutura da personalidade e a disfunção orgânica.
Não há dúvida de que em todos os aspectos da vida e das atividades humanas a música é capaz de intensificar certas funções - e também de reduzir suas intensidades. Este vasto campo de investigação está repleto de fatores desconhecidos e está ainda em sua infância. Tal trabalho de pesquisa, que deveria ser incluído dentro do quadro da pesquisa musicológica, deveria ocupar uma posição central na nova escola de música ou no departamento de música da universidade. Pois a classificação funcional da música no processo de civilização seria impossível sem a investigação factual e sistemática nos campos psicológico e sociológico da música.
Estou aqui fazendo referência específica à investigação das influências e efeitos da civilização aos quais devemos responder ou rejeitar, utilizar ou complementar. Além disso, essa investigação factual capacitaria os educadores em treinamento a manterse em dia com o progresso de civilização.
A Escola se tornaria, então, uma oficina de experiências científicas, de medidas e de avaliações nesse sentido. É evidente que a instrução dada num instituto deste tipo teria ser interdisciplinar. Porque não há mais enfoque possível de um assunto específico, mas apenas uma metodologia abrangendo assuntos múltiplos, e para a cooperação de músicos com arquitetos, planejadores urbanos, designers, artistas comerciais, produtores, cineastas, engenheiros de luz e outros especialistas, a instrução interdisciplinar é de importância vital.
A pergunta de se informação estética só existe na obra de arte independente e autônoma, como tem sido o caso até o presente - isto é, por exemplo, sonatas, sinfonias ou lieder - ou, se informação estética também existe nas formas de produção suplementar aplicada atingindo seu pleno sentido artístico através apenas da aplicação prática: esta é de fato uma pergunta de qualidade não artística, como muitos de nós ainda pensamos ser, mas sim pela função artística social. O preconceito contra arte e música aplicadas, ainda vivo em muitos setores da nossa sociedade, reside justamente nessa dúvida.
Um preconceito completamente destituído de base racional ou factual. Estou certo de que o dia virá quando a música recreativa, de música popular, abrangendo também todas as formas preencher as mesmas funções - socialmente falando - que a música dos mestres clássicos e románticos preencheu numa sociedade mais antiga.
Muitas dessas produções artísticas suplementares não se constituirão jamais em produtos de imaginação artística no sentido tradicional, em obras de arte independentes e autônomas. Muitas nem reclamarão para si qualquer interesse artístico, no sentido convencional, porém como genuína música aplicada, preenchendo completamente sua função suplementar, provarão ser formas efetivas de criatividade artística.
Na sociedade de massa, tecnológico-industrial, há um perigo de se tornar o homem cada vez mais desligado e indiferente. O perigo também existe de perder ele sua consciência como indivíduo... transformando-se num desapaixonado e desinteressado membro da massa anônima - ou, ao contrário, que, reagindo contra este desenvolvimento, possa se transformar num indivíduo inescrupoloso, egoísta, nada avesso ao uso da violência.
Porque ele estará privado do estímulo sensorial, intelectual, emocional que inspira e ativa o homem, que lhe dá a consciência de um sentido comunitário, social e cultural de participação, de compreensão e de solidariedade.
Por esse motivo, o artista não deve perder suas ligações com a sociedade. E a sociedade, por seu lado, não deve jamais cessar de confiar ao artista a tarefa de modelá-la e de humanizá-la: A humanização através da comunicação estética, uma contribuição ao novo ajustamento, à nova orientação das relações entre a arte e a sociedade - esta deveria ser a missão de um programa de ensino e treinamento de um novo tipo de músicos profissionais.
As possibilidades inesgotavéis do som, que a tecnologia moderna oferece ao músico criativo, são inseparáveis da tecnologia; porque devem ser realizadas na tecnologia, através da tecnologia e na sociedade criada pela tecnologia.
Música como meio de modificar o ambiente nos seus aspectos social e civilizador.
A Escola de Música como centro de formação de um novo tipo de músicos que, longe de se isolarem da sociedade, tomam parte ativa em sua formação, como pioneira e força motriz do desenvolvimento sócio-cultural, liderando o caminho para o futuro.
© 1977 by Hans-Joachim Koellreutter
En: Anais do I Simpósio Internacional de Compositores. São Bernardo do Campo, Brasil, 4/10 outubro 1977.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Enrevistas com músicos brasileiros

Clique no link abaixo para baixar gratuitamente entrevistas e biografias de alguns grandes músicos de nosso cenário.
http://www.centrocultural.sp.gov.br/cadernos/lightbox/lightbox/imagens.htm

UMA JUMENTA CHAMADA ARTE!

Certo dia, (quase toda história começa assim) em determinado interior do Brasil, numa cidade em que tudo era atraso, se fazia necessário um meio de transporte. O povo bom da mencionada população conversou com seu representante sobre comprar qualquer coisa para carregar tudo. Prontamente o líder disse:
- Isso tem um custo, mas se vocês quiserem mesmo, juntem a quantidade “x” que eu me encarrego de comprar.
Prontamente aquele povo sofrido, trabalhou arduamente para conseguir a quantia necessária para comprar algo e com muito custo conseguiram comprar, uma dócil e trabalhadora jumentinha. O antigo dono deu as recomendações:
- Essa bicha dá trabalho! Não faz nada se não for com muito mimo.
O líder local que realizou a aquisição do animal quase deu pra trás na compra quando ouviu estas palavras. No caminho –como prova de um péssimo comprador- deu uma averiguada no animal e encontrou algumas escoriações, carrapatos e um fedor insuportável.
- Tô lascado! – repetia mentalmente cabisbaixo até chegar a sua longínqua comunidade.
Quando chegou, repassou a informação para os seus liderados e escolheu dois grupos: Os PRINCIPAIS e os NECESSÁRIOS para serem a equipes responsáveis pela manutenção diária do animal. Os NECESSÁRIOS chateados por não serem PRINCIPAIS faziam um trabalho lerdo. Mas, falaremos deste grupo mais tarde. A jumentinha era tão melindrosa e apresentada que em pouco tempo já estava conquistando toda a população. Fizeram até concurso para escolher o nome da danadinha com cerimônia e tudo. O nome escolhido e considerado o mais criativo foi Arte.
Arte não comia qualquer coisa e só trabalhava do seu jeito. Só assistia a reuniões que achava necessárias para sua sobrevivência (assim pensava o povo). A Arte no interiorzinho se tornou não apenas atração para os turistas, mas era parte da vida social daquela população. Ninguém se atrevia a bater na Arte. Quando morria um amigo, faziam festas ou reuniões religiosas, ela estava lá. Existia uma ligação recíproca entre Arte e povo. Além dos atrativos, Arte cumpria sua função de jumentinha carregadeira de coisas e pessoas com um simples afago na cabeça, um elogio e um punhado de sua ração preferida. A arte já estava ficando encorpada. Se observarmos bem, aos poucos a população foi fazendo um trabalho conjunto com os PRINCIPAIS, mesmo com os empecilhos e críticas terríveis dos NECESSÁRIOS. Mas o que importava mesmo é que Arte e povo se comunicavam bem e viviam felizes. Quatro anos se passaram e o líder comunitário queria ser reeleito, alegando ter escolhido meticulosamente aquela jumenta, pensando nas necessidades e fez a melhor equipe para mantê-la. Como o discurso estava muito embolado, o povo anestesiou a memória para as mentiras e escolheram o mesmo líder para deixar as coisas andando bem (pensavam eles).
Quando reassumiu seu cargo, resolveu fazer pequenas mudanças. Sua atitude considerada principal foi mudar um pouco sua equipe de cuidados da Arte. Chamou apenas um do grupo dos NECESSÁRIOS, porém o colocou como chefe dos PRINCIPAIS. Aos poucos, este recém chamado chefe dos PRINCIPAIS foi inventando mil coisas para mudar toda sua equipe fazendo com que todos os seus amigos outrora NECESSÁRIOS se tornassem PRINCIPAIS.
Em tentativas desesperadoras de mostrar serviço faziam mil coisas com a pobre da Arte. De início, deixaram bem claro que ela teria que cumprir rigorosamente sua sina animal, carregado o povo nem que fosse apanhando. Outras vezes ameaçava de não dar comida. Em menos de um mês a Arte estava pele e osso, quase situação pior a que foi adquirida. O líder comunitário fingia não ver, para que não deixasse explicita sua incompetência administrativa.
O que deu um final pateticamente melancólico é que os antigos PRINCIPAIS que agora eram apenas AMANTES DA ARTE, fizeram de tudo para abrir os olhos do líder comunitário e da população; mas é nesses momentos que vemos o defeito de todo ser humano que vive distante de tudo: O consentimento medroso. Os agora AMANTES DA ARTE, tiveram que ver o triste fim da jumenta sem poder fazer muito, pois como diziam os atuais PRINCIPAIS:
_ A Arte é “propriedade nossa” !!!!


Beetholven Cunha
Teresina, janeiro de 2009

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Toque Concentrado da Beatrix.



Por Beetholven Cunha

Uma semana de expectativa na escola de música!
O corre-corre por ingressos para assistir a pianista alemã Beatrix Klein (25 anos) foi exaustivo. Com muita luta o coordenador pedagógico conseguiu apenas um ingresso para descontento da maioria dos alunos.

Cheguei ao teatro da assembléia Legislativa (26 de setembro de 2008) por volta das 18 horas e 30 minutos. Os ouvintes aglomeravam-se em pé na recepção. Um dos professores de música aparece com dois ingressos dizendo não saber o que fazer. Fiquei irado ao lembrar dos alunos, mas não demonstrei.

Abriram-se as portas faltando cinco minutos para o concerto. Enquanto nos acomodávamos em nossos lugares, ouvimos de tudo para testar o som ( rock, samba, etc.) menos música erudita. Retorcia-me na cadeira como um sapo em contato com o sal, mas suportei.

As apresentações foram feitas e em seguida ela subiu ao palco cumprimentando ao público (como fez várias vezes durante o concerto). Linda, alta, olhos claros lembrando até uma escultura da Grécia antiga. Com um talento fenomenal iniciou o concerto. Beethoven foi magistralmente divino. Villa Lobos não tinha a mesma ginga que estamos habituados a ouvir, porém era Villa Lobos.

Temos que reconhecer que tratava-se de uma excelente profissional em palco, pois transmitiu sua mensagem, mesmo com um piano de “teclas viscosas” e um jogo de luzes coloridas que quase atrapalhou de forma impertinente sua leitura (só faltou o gelo seco). Enquanto ouvia seu concerto, ponderei o seguinte:
- “Creio que comprar um bom piano custaria bem menos aos cofres públicos que um automóvel blindado para assessores (o primeiro com certeza seria mais útil)”.

O toque concentrado de Beatrix Klein continuou banqueteando um público despreparado para concerto com obras de grandes mestres como Mozart, Chopin e Milhaud.

Ao fim do concerto, comentários e elogios entusiasmados para a pianista de Bonn combinavam-se as críticas feitas sobre a estrutura precária para recebê-la. Conversei um pouco com Beatrix ao fim do concerto, más foi rápido pois muitos fãs queriam vê-la.

Gostaria de ouvir novamente Beatrix em Teresina, só que em outras condições porque se for nas mesmas em que ela tocou, prefiro ouvi-la em outra cidade, outro estado, outro país ou se as condições não permitirem, me contentarei com o CD.

sábado, 11 de outubro de 2008

Foi 16 de agosto em 2 de outubro! (?)


Por Beetholven Cunha.


Em meios a tantos problemas corriqueiros, queremos nos impor alguns luxos, e o escolhido do dia foi ouvir uma boa música. Ah, este dia! Um dia amargo em que os colapsos em cadeia da economia americana refletiram sobre a economia mundial e por mais que eu quisesse ser poupado por ser um sul-americano, o mundo aos poucos vem sofrendo rupturas com uma economia decadente para que venha a acontecer (quem sabe?) mudanças bruscas encaminhadas para uma nova idéia de convivência humana sociável.

Escrevi tudo isso apenas para informar que meu dinheiro não caiu hoje na conta, motivada pela greve dos bancários.Não me aborreci, saí com minha família para assistir ao concerto de estréia da banda sinfônica municipal (denominada 16 de Agosto) direcionando-me ao distante Teatro Municipal João Paulo II. No caminho o nosso carro deu seu sinal de sede (a famosa luz laranja indicadora déspota do tanque vazio). Não me aborreci, todavia preocupei-me e mediante a situação, resolvi estacionar no caixa eletrônico orando para que houvesse algum dinheiro lá. A oração foi atendida e peguei parte da mixaria e (como qualquer um que fica doido quando pega em dinheiro) resolvi mudar de idéia em relação ao tanque e fui ao concerto com ele quase nas últimas.

Nas capitais do mundo, por volta das dezoito horas, o transito torna-se algo terrivelmente desastroso para o sistema nervoso principalmente de alguém com um tanque quase vazio (perigo das idosas e cachorros). Corri como um louco e chegando na rotatória, a paciência começava a despedir-se. Esperei... Esperei... Esperei... Por fim, conseguimos passar.

Chegando no teatro, cumprimentei entusiasmadamente os músicos que estavam impecavelmente alinhados. Um entusiasmo combinado com tenção pairava quase que densamente no ar. Lembrei-me das tantas apresentações que fiz e sentia este “olor”. Cumprimentei os dois regentes, o mancebo com o entusiasmo e as e as inseguranças do viço e o ancião com suas características dissemelhantes ao jovem.

O concerto deu início!
O repertório erudito foi bem executado, tendo em vista o nível dos músicos e da corporação em um concerto impropitus, todavia ambicionando um virtuosismo (não alcançado no tempo presente, mais lançado como uma idéia de inclusão social e musicalizadora para públicos futuros).

O público silenciava atônito mediante as desconhecidas melodias executadas na noite de glória dos outrora desconhecidos artistas eruditos.

Como qualquer artista, ouço tal qual o público, contudo minhas circunspecções e anseios, voltavam-se para mais uma (entre tantas) triste realidade de um Brasil volúvel (todo projeto que começa, não continua).

Num discurso interno, bradava retumbante:
- “Oxalá que as políticas partidárias (parafraseando Emmanuel Coelho) tornassem-se políticas sócio-culturais, abrindo mão de rixas, dando lugar a continuidade e engrandecimento à projetos como este que assisto e ouço!”

Muitas coisas ocorreram naquela noite e no dia seguinte (entre tantas, um pé torcido e uma mudança de casa), entretanto não me aborreci, pois o que ficará na memória (espero que por muitos anos) é que fui testemunha audioocular de que FOI 16 DE AGOSTO EM 2 DE OUTUBRO.